Alô.
Em Julho de 2013, um ano depois que a Marvel finalmente reuniu seus Vingadores na tela grande sob direção de Joss Whedon, Henry Cavill vestiu pela primera vez a capa mais emblemática das histórias em quadrinhos, dando vida à visão de Zack Snyder sobre um mundo onde super-seres e deuses existem.
Embora não tenha replicado o sucesso monetário do estúdio visto como concorrente mais pelos fãs do que pelos executivos, “Man of Steel” foi um ótimo ponto de partida para uma promissora jornada que acabaria sabotada pela urgência capitalista de pessoas que sequer sabem o que é kryptonita.
A implosão ocasionada pelo mau planejamento de “Batman v Superman” (2016) botou a culpa nas pessoas erradas e culminou em um corte desesperadamente precipitado de “Liga da Justiça”, lançado em 2017 sob direção de… Joss Whedon.
Nos próximos textos, vamos desvendar um pouco essa bagunça e fazer justiça às ideias de Snyder, que embora não carreguem a tão cobrada e nunca vista perfeição, são muito melhores quando respeitadas.

Man of Steel (2013)
Duração: 143 minutos
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer
Orçamento: US$ 225 Milhões
Bilheteria: US$ 668 Milhões
O filme de origem do Homem de Aço começa no planeta Krypton, fadado à destruição pelo esgotamento de seus recursos naturais. General Zod, magistralmente interpretado por Michael Shannon (A Forma na Água, Entre Facas e Segredos), inicia um golpe de estado para tomar o poder do conselho enquanto Jor-El (Russell Crowe) e sua esposa Lara (Ayelet Zurer) enviam seu filho Kal-El, o primeiro kryptoniano concebido naturalmente em milhares de anos, em uma nave para o planeta Terra.
Após a explosão de Krypton, Zod e seus aliados passam a perseguir Kal-El pelo universo afim de recuperar um valioso artefato que teria sido enviado junto, conseguindo localizar sua nave através da interceptação de um sinal de socorro. Em sua chegada na Terra, Zod demanda que o kryptoniano se revele, ocasionando o maior conflito do enredo.
Com um CGI competente, boa contextualização dos personagens e uma história que se constrói aos poucos explicando até mesmo como a fisiologia dos alienígenas reage às atmosferas de diferentes planetas, “Man of Steel” entrega cenas eletrizantes de ação equilibradas com momentos singelos, onde o Superman tenta tanto entender quanto se decidir sobre seu futuro entre os humanos. Em várias cenas Henry Cavill consegue, apenas com o olhar, mostrar toda a grandeza de seu personagem.

Ao longo de toda a trama, diálogos arquitetam a visão de Snyder, classificando os super-seres como deuses, algo habitual no mundo da DC Comics e que não é melhor nem pior que a Marvel, que prefere construir seus heróis em cima de pessoas comuns, detentoras dos mesmos problemas cotidianos que eu, você e qualquer outra pessoa que não nasceu sob um teto milionário possuímos. Através da composição das cenas, Superman chega a ser comparado com Jesus Cristo, uma interpretação assertiva para o mundo atual, como ilustra o diálogo da mãe de Pete Ross com o casal Kent após o filho alegar ter visto Clark tirar o ônibus de dentro do rio apenas com as mãos. “É um ato de Deus”, alega a fazendeira.
A obsessão de Snyder por corpos sarados transformou Cavill em símbolo sexual assim como fez com Gerard Butler, protagonista de “300”, em 2006. Seu claro objetivo de construir cenas edificantes e emblemáticas, o excesso de diálogos expositivos e momentos repetitivos cansam alguns espectadores, mas nem tais manias, nem a longa duração e tampouco furos de roteiro foram argumentos usados na maioria das críticas negativas. Ao invés de falar da película de Snyder, elas apenas diziam que “Vingadores é melhor”. Isso quer dizer que não existem mais filmes bons desde 1973?
Em 2014, após o sucesso no pontapé inicial do Universo Cinemático da DC, a Warner levou Harry Lennix, o General Swanwick, à Comic-Con para estremecer as paredes do Hall H com seu vozeirão na leitura de um trecho de “O Retorno do Cavaleiro das Trevas”, de Frank Miller.
Quando os logos do Superman e do Batman se sobrepuseram no telão, San Diego veio abaixo. Estava confirmado: Zack Snyder dirigiria “Batman v Superman”, e na sequência, dois filmes da Liga da Justiça.

Batman v Superman (2016)
Duração: 152 minutos
Diretor: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer
Orçamento: 250 Milhões
Bilheteria: 874 Milhões.
Nomeado responsável pela construção do Universo DC nos cinemas, Zack Snyder começou a trabalhar em Batman v Superman com uma missão complicada: deixar tudo pronto para a chegada do primeiro longa da Liga da Justiça para o ano seguinte.
Em entrevista à Vanity Fair, o diretor lembra que a Warner tomou conhecimento do estranhamento dos fãs ao fato de Superman ter matado Zod durante a batalha final. Segundo às opiniões, a atitude ia contra a essência do personagem. Com isso em mente, algumas das ideias de Snyder começaram a ser questionadas ainda no papel. Ele ressalta, por exemplo, a aversão à escolha de um Aquaman que não fosse loiro de olhos azuis.
Diane Nelson, presidente da DC Comics na época, alegou ter apreciado a abordagem de Snyder, mas salientou que se preocupava com a ideia fixa que o grande público possuia de um super-herói. Segundo a Warner, uma perspectiva tão contrária ao Universo Marvel poderia fazer com que os espectadores enxergassem super-poderes não como uma bênção, mas sim uma maldição.

Snyder precisava, no menor tempo possível, apresentar a Mulher-Maravilha, Lex Luthor, construir a rivalidade entre os personagens do título, desenvolver o velho recurso narrativo da união dos rivais contra um mal maior (no caso um desperdiçado Doomsday, que cairia muito bem em um filme solo do kryptoniano), criar a ponte para o filme da Liga e ainda deixar pistas claras sobre a existência de Flash, Cyborg e Aquaman.
E aí, tem como? Deixo como complemento à indagação, o seguinte exercício de imaginação:
A Marvel funcionaria tão bem se a ordem fosse:
Iron Man (2008) -> Capitão América (2011) -> Vingadores (2012)?
Como se a falta de tempo já não representasse problemas o bastante, a Warner tratou de encarregar Geoff Johns (conceituado roteirista de HQ’s) e Jon Berg (produtor até então conhecido majoritariamente pela realização de comédias) para literalmente vigiar o trabalho de Zack Snyder. O diretor conta que era proibido de trabalhar sem a presença de pelo menos um dos dois no set, e que intervenções da dupla eram, na sua grande maioria, em busca da inserção de piadas.
O uso do humor em obras de super-herói nunca representou um problema. Entretanto, a maneira como o estúdio exigia, baseado única e exclusivamente no que funcionava para a Marvel foi um erro, pois as duas linguagens pouco conversam.

Como resultado, foi entregue um filme extremamente apressado, com objetivos bons, mas visivelmente desconexos e mal-executados devido à escassez de tempo. O Ultimate Cut, que aumenta em 30 minutos sua duração, salva cenas que constroem a visão da população sobre Batman e Superman, adicionando ainda coerência a acontecimentos chave, como o julgamento do homem de aço.
Compactar tantos personagens e situações demandou a busca de saídas simplórias para elementos da trama que poderiam ter sido melhor utilizados, como a ridícula sequência onde a Mulher-Maravilha descobre os outros membros da Liga em pequenos vídeos no computador de Bruce Wayne. Não seria melhor que eles tivessem filmes solo? Em nome de botar tudo na tela, o argumento perde força pela execução de muitas de suas ideias. As belas cenas de ação e sequências épicas de combate são competentes como sempre, com Snyder conseguindo deixar batalhas tão rápidas e espaciais, fáceis de se entender, mas não sustentam o filme por si só.
Para tanta bagunça, só poderia haver um destino, e tanto crítica quanto público tiveram reações extremamente negativas. Em um curioso paralelo com o filme de 2013, muitos espectadores confirmavam a tese de Diane Nelson e queixavam-se do tom sombrio, mas nada falavam sobre trapalhadas do roteiro desastroso e atropelado.
Snyder, que nunca hesitou em bater o pé para defender sua visão, foi apontado como único responsável pelo fracasso do filme, e a primeira medida da Warner foi abortar a já confirmada sequência do vindouro filme da Liga da Justiça. Agora, Snyder realizaria um único longa.
Na próxima parte, conversaremos sobre como a Warner “arrumou” Liga da Justiça, a volta por cima do Snyder Cut e também sobre a história desse lance do “corte do diretor” no cinema e o que isso significa.
Até lá!