Alô.

Quando fiquei sabendo que transformariam em filme a franquia que consolidou o terror psicológico nos videogames, eu fiquei maluco! Sentia um misto de hype e medo que fizessem o que fizeram com Resident Evil.

Em Abril de 2006, entretanto, não havia cinema em Pirassununga, e aos 16 eu não tinha CNH (não que resolvesse, pois hoje, habilitado, não passo de uma franga ao volante), então tive de apelar para a locadora do Paulo Coelho. O lado bom foi que na época lancei a mim mesmo o desafio de assistir ao filme inteiro sem legendas e… até que deu certo.

“Terror em Silent Hill”, dirigido por Christophe Gans (Pacto dos Lobos) e escrito por Roger Avary (vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original por Pulp Fiction) mescla elementos dos três primeiros games da série e liga tudo com algumas premissas próprias.

Na trama, Rose (Radha Mitchell) resolve levar sua filha adotiva Sharon (Jodelle Ferland) até Silent Hill a fim de investigar a origem dos perigosos episódios de sonambulismo da garota.

Rose dirige noite adentro a caminho da misteriosa cidade, ignorando os conselhos do marido Chris (Sean Bean), que tenta impedi-la sem sucesso. Perdida nas ruas enevoadas de Silent Hill, Rose enfrenta diversas ameaças e criaturas que parecem ter saído dos mais indescritíveis pesadelos.

Jogo x Filme

Lançado para Playstation em Janeiro de 1999, Silent Hill foi a resposta da Konami ao sucesso de Resident Evil, que apressaria o lançamento de seu terceiro capítulo mais tarde naquele ano. Outras gigantes da época também botaram suas cartas na mesa: a Infogrames trouxe Alone in the Dark 4: The New Nightmare, reboot que visava modernizar a série protagonizada pelo investigador Edward Carnby (cujos primeiros três capítulos serviram de influência justamente para a toda poderosa franquia de zumbis da Capcom). Dino Crisis, Echo Night (da From Software, da série Souls) e as continuações do clássico Clock Tower também entraram na briga com menor expressão.

No game o protagonismo é de Harry Mason, que leva sua filha adotiva Cheryl até a cidade de Silent Hill na intenção de apresentar à garota o local onde ela fora encontrada. Diferentemente da configuração do filme, a esposa de Harry sucumbiu a uma doença não revelada anos antes.

Apesar do filme focar seu argumento no primeiro game, nele estão presentes criaturas de Silent Hill 2 como o Lying Figure e o celebrado Pyramid Head, que caso seja levada em conta a motivação por trás de suas criações na contraparte virtual, ficariam completamente deslocados. Para um fã de Silent Hill, ver o cabeça de pirâmide usado como recurso visual ou até mesmo uma espécie de fan service em detrimento de sua verdadeira natureza e contexto pode ser um dos maiores incômodos da adaptação.

Mas afinal, é bom mesmo, ou só é o “menos pior”?

Àquela altura, o mundo dos games já havia transcendido aos cinemas em 13 ocasiões. Em meio aos títulos constavam a bem-aceita adaptação de Mortal Kombat (lançada em 1995, dirigida por Paul W. S. Anderson) e coisas que procuro pensar se tratarem de delírios coletivos como Alone in the Dark e BloodRayne, obras do alemão mal-humorado Uwe Boll.

Ainda jovem, mas já vacinado para não esperar nada de mais, dei play em Silent Hill e temi ter confirmado minhas suspeitas ao assistir à terrível sequência introdutória. Nela, Rose e Chris saem desesperados de casa no meio da noite e atravessam uma rodovia movimentada, perseguindo à pequena Sharon que perambula próximo a um precipício. Até aí tudo bem, há até mesmo uma bela prévia do que há por vir na forma de alucinação. Entretanto, meu bobômetro rodopiou na velocidade da luz conforme a garota se contorcia no chão e gritava “Silent Hill!… Casa!… Silent Hill!…”.

E não é que eu fui surpreendido?

Conforme a trama avança, o filme parece saber entremear à narrativa elementos importantes não só de Silent Hill, mas de jogos de videogame em geral: há cenas onde Rose precisa parar e consultar o mapa, apanhar uma chave que lhe garantirá acesso à próxima área, derrotar inimigos, fugir, memorizar caminhos e até mesmo resolver puzzles envolvendo obras de arte, tão característicos da franquia. Tais cenas detém um extremo potencial de se tornarem caricatas, mas são extremamente bem conduzidas pela produção, que ainda consegue encaixar belíssimas mise-en-scène aqui e ali, como o quarto de Alessa ou o momento onde Rose desce as escadas de um beco sendo engolida pela escuridão, transportada para o inferno de Silent Hill.

Sem dúvidas, exigências de estúdio foram incorporadas com a sabedoria e elegância de quem sabia o que estava fazendo e nutria um extremo respeito pela obra original. Alguns diálogos expositivos, por exemplo, tendem a se estender demais e acabam por matar boa parte da sutileza (vide a aparência de Dahlia Gillespie) e subjetividade do game, mas nada que prejudique efetivamente o longa.

Além de falar por si só, o filme traz parte da excelente trilha sonora do game e escolhe a dedo quais cenas do game emular com perfeita exatidão, invocando sentimentos de nostalgia nos fãs antigos e apresentando o material base aos recém-chegados.

O filme toma cuidado com as classificações indicativas e traz vilões mais “sociais”, expondo os perigos da má-exploração da fé e do fanatismo religioso a fim de criar um clímax epopeico e deixar uma mensagem mais objetiva. Já o game, explora tais problemas de um ponto de vista mais introspectivo e lento, mostrando sem pudor algum como as coisas pode dar errado quando você resolve se envolver com… o outro lado.

Enfim,

Na minha visão, “Silent Hill” continua sendo o melhor filme de jogo até hoje, e ainda vale muito a pena! Eu apenas descartaria a sequência, que nada tem a oferecer além das atuações de Malcolm McDowell e Carrie-Anne Moss. O primeiro jogo da franquia pode ter envelhecido mal do ponto de vista tecnológico ou até mesmo por conta de alguns elementos duvidosos de produção, como a dublagem. Entretanto, se você quer experienciar Silent Hill e não consegue mais olhar para as cabeças quadradas do primeiro Playstation, dê uma chance à Enhanced Version de Silent Hill 2 (que em nada se relaciona com o filme de 2012) no PC que na minha opinião, é o melhor jogo de terror já feito (porque o melhor não-feito, é Silent Hills de Hideo Kojima, Guillermo del Toro e Junji Ito… mas isso é papo pra outro dia).

The fear of blood tends to create fear for the flesh.