Alô.

Se tem uma coisa que muito fã de cinema abomina, ou ao menos enxerga de maneira muito reticente, é o remake. Pra quê, afinal, refazer um filme que já é bom? Atualizá-lo? Aproximá-lo de audiências mais jovens? Refazer tudo com orçamento superior?

A grande questão é que em muitos casos a coisa de fato dá errado.

Em 2008, Scott Derrykson dirigiu “O Dia em que a Terra Parou”. Estrelado por Keanu Reeves, o longa encomendado pela Fox visava atualizar os conflitos apresentados no clássico de 1951 pelo genial Robert Wise. Trocando o foco da corrida armamentista pelos danos ao meio ambiente, o remake faz uma ótima escolha de pauta, mas falha justamente em entregar um bom argumento e confia demais em efeitos especiais, tornando tudo muito superficial e deixando o lado filosófico e sociológico no escanteio.

Outros exemplos de perda de profundidade ou essência não faltam, como A Profecia (2006), que abandona justamente o maior charme da obra original: a sutileza. Isso sem mencionar inúmeras adaptações Hollywoodianas de filmes europeus, asiáticos, africanos ou sul-americanos.

Entretanto, alguns remakes acertam em cheio. Você sabia que o Scarface (1983) do Brian de Palma, é um remake? Pois é! A obra original, também muito boa, é de 1932 e foi dirigida por Howard Hawks. A versão oitentista transporta os conflitos, amplia o que julga necessário e entrega uma grande experiência com ótimas atuações, tiroteio e conteúdo.

Agora… sabe qual é o remake que eu gosto MAIS do que o original?

Sim, você sabe. Tá no título.

Suspiria (1977)

Lançado em 1977 com roteiro de Daria Nicolodi e direção do lendário Dario Argento, Suspiria conta a história de Susanna Bannion (Jessica Harper), uma jovem bailarina nova-iorquina que consegue uma vaga para estudar na Tanz Dance Akademie, uma das mais disputadas escolas de dança da Alemanha, e ao chegar ao local dá de cara com uma moça fugindo aterrorizada. Pouco tempo depois, um assassinato acontece e conforme Susan investiga, coisas acontecem.

Dario Argento é um dos maiores nomes do movimento Giallo, gênero literário e cinematográfico da Itália que engloba elementos do terror e suspense policial. Entre os anos 1960 e 1980, o Giallo influenciou diretores e escritores do mundo todo. Além de Argento, alguns de seus maiores representantes são Mario Bava (Black Sabbath) e Lucio Fulci (Zombi). O Giallo possui algumas características marcantes como o uso de cores saturadas, cenas de assassinato criativamente elaboradas e muito mistério.

Em Suspiria, as cores extremamente gritantes ajudam a compor um visual alucinógeno, quase como um sonho (ou seria pesadelo?), que baseado no expressionismo alemão, despe-se de qualquer comprometimento com a realidade em busca de dramaticidade. Muitas vezes, a morte divide a tela com a beleza, criando situações e sensações ímpares. Aliado a tudo isso, a decoração extremamente extravagante da Tanz é um show à parte que condiz perfeitamente com a proposta da obra. A trilha sonora concebida pela banda de rock progressivo Goblin embala com maestria o trânsito do filme por entre o belo e o assustador.

Uma referência atual que emprega tanto características de Suspiria como de vários outros filmes da época é The Love Witch, dirigido por Anna Biller.

Por mais que algumas coisas possam ter envelhecido mal como alguns dos efeitos práticos e parte das atuações (o filme foi rodado com atores de três nacionalidades diferentes, cada um falando em sua língua materna para depois serem dublados em inglês, prática comum do período na Itália), Suspiria continua valendo muito a pena, mantendo-se como clássico absoluto na visão de fãs, crítica e realizadores de cinema.

O Remake de 2018

Nascido em Palermo no ano de 1971, Luca Guadagnino (Me Chame Pelo Seu Nome) contou em entrevista que “virou cineasta quando viu, aos 14 anos, o pôster do Suspiria original na porta de um cinema”.

Desde o início dos anos 2000, alguns estúdios já disputavam a possibilidade de refazer Suspiria, mas foi em 2007 que Guadagnino de fato conseguiu uma primeira aprovação tanto dos detentores dos direitos quanto de Argento e Nicolodi. David Gordon Green (Halloween 2018) chegou a ser considerado como diretor, mas nada de fato caminhou até Guadagnino puxar a responsabilidade para si.

Na nova versão, Susanna Bannion é vivida por Dakota Johnson (Cinquenta Tons de Cinza) e a premissa é a mesma: mudar-se dos Estados Unidos para a Alemanha em busca do curso de dança na Tanz. Entretanto, incontáveis camadas são adicionadas, totalizando praticamente uma hora de conteúdo a mais. A sequência inicial onde Patricia (Chloë Grace Moretz), estudante da Tanz, relata a um psiquiatra ter sido alvo de experiências e bruxaria por parte do corpo docente da instituição dá o tom do filme: fotografia escura e sóbria em um ambiente paranoico onde você nunca está livre de surpresas absurdas e cenas chocantes.

Agora, a escola de dança não é mais um ambiente isolado do mundo aqui fora. A Alemanha dos anos 1970 é extremamente presente: sobreviventes da II Guerra Mundial convivem com o trauma e o fardo da perda enquanto movimentos estudantis tomam as ruas. De maneira geral, o modo como a sociedade vê a mulher é altamente discutido: questões como a autoridade sobre o próprio corpo, influência política, abuso de poder e principalmente as diversas faces da maternidade são partes primordiais da trama, retratadas por um elenco de peso: Tilda Swinton, Mia Goth, Angela Winkler, Sylvie Testud, Ingrid Caven, Elena Fokina e Alek Wek; além das já citadas Dakota Johnson e Chloë Grace Moretz.

A própria dança dá um passo à frente na nova versão e possui um papel muito mais importante, gerando belíssimas sequências onde assim como no original, morte e beleza se entrelaçam. As peculiaridades do filme se intensificam com a forte presença do design Bauhaus e a trilha sonora de Thom Yorke enfatiza o clima enquanto canta sentimentos. Totalmente carregado de originalidade, o novo Suspiria não deixa de homenagear o material em pequenos detalhes como os característicos zooms da década de 1970 ou até com a presença de Jessica Harper, a Susie Bannion original. Mesmo as cores gritantes, por vezes, dão as caras.

E aí, já assistiu algum dos Suspiria’s?

Embora eu recomende muito os dois, se você não curte filme velho, não deixe de dar uma chance ao remake. Ambos estão disponíveis no Amazon Prime Video!

O pôster original de Suspiria, que chamou a atenção de Luca Guadagnino na porta do cinema.