Alô.
Em 2014, o até então independente estúdio britânico Ninja Theory revelou “Hellblade: Senua’s Sacrifice” durante a Gamescom 2014. Com visual impressionante, o trailer mostrava uma guerreira picta (povo celta que viveu na região da Escócia entre o fim da Idade do Ferro e início da Idade Média) em diferentes ambientes que remetiam à cultura nórdica do Século VIII. Lentamente, as belas paisagens do vídeo assumem uma aura aterrorizante. Visivelmente atormentada por uma ameaça invisível, a personagem saca sua espada enquanto é cercada por vozes assustadoras.
O game foi oficialmente lançado para Playstation 4 e PC três anos depois, e eu só fui jogar esse ano. Fiquei MALUCO, totalmente envolto na ambiência, na narrativa, na história e na coragem de Senua… até minha TV queimar…
… mas tá tudo bem. Eu continuei jogando no monitor.
Enredo
A sequência de abertura passeia um rio enevoado. Uma voz sussurrante diz ao jogador que vai lhe contar a história de Senua. Lentamente, a imagem se aproxima da guerreira, que rema em uma pequena canoa. Quando a câmera contorna a personagem, percebemos nela uma expressão de medo, um olhar perdido, hesitante; e a voz que nos recepcionou se dilui em vários outros sussurros que cercam não só a mulher em cena mas também nós, os jogadores.
Ao passo que ela avança por entre drakkares destroçados e outros escombros de guerra, percebemos que as vozes questionam e discutem as atitudes, as decisões, e até mesmo a coragem da protagonista.
Senua traz em seu cinto, envolto em um pano branco, a cabeça de seu marido morto na guerra, Dillion. Ela acredita que pode ir até Helheim, o mundo dos mortos, para reavê-lo de seu sacrifício ofertado à deusa Hela.
Hellblade teria potencial para entregar, através de seu visual espetacular, um enredo batido se não fosse um detalhe um tanto quanto… invisível:
Senua enfrenta um intenso stress pós-traumático após a invasão de seu vilarejo, que a fez padecer de um severo surto psicótico. Portanto, toda a sua percepção da realidade está afetada, sujeita a inúmeros tipos de influências e distorções que se entrelaçam com crenças da época.

Atenção aos Detalhes
Buscando eficiência na representação da psicose de Senua, a Ninja Theory contratou Paul Fletcher, professor de neurociência na Universidade de Cambridge como consultor. Junto dele, a produção ouviu um grupo de pacientes em tratamento que discutiram e relataram seus sintomas, mostrando-se convencidos pelo resultado. Já o auxílio na reconstrução da época ficou a cargo de Elizabeth Ashman Rowe, PhD em História Escandinava pela Universidade Cornell, de Nova Iorque.
Além dos jogos de câmera que auxiliam com maestria na construção dos climas usando e abusando de dutch angles e longas tomadas que passeiam pela cena circundando o ambiente à procura a origem das vozes junto de Senua, que some e aparece nas sombras frequentemente originando frames de extremo bom gosto, temos um maravilhoso trabalho de som. Descrito pelos criadores como a parte mais importante de Hellblade, as vozes que Senua ouve ao longo da jornada foram gravadas usando microfones do tipo binaural, que permitem a reprodução de um som ambiente mesmo com fones de ouvido comuns.
Sério, jogue Hellblade de fones.
Os sentidos como um todo são parte vital na construção de Hellblade: há partes onde é necessário se esgueirar em ambientes totalmente escuros, fugindo de monstros que não vemos enquanto desviamos de correntes e outros obstáculos, causando um mal-estar de causar inveja a qualquer Survival Horror de respeito.

Outra parte essencial para a excelência da obra são as atuações. Melina Juergens, editora de vídeos da Ninja Theory, inicialmente serviria apenas como modelo para os testes de captura de movimento. Entretanto, sua performance impressionou ao ponto de que ela acabou ficando com o papel principal. A escolha se mostra acertadíssima quando vemos a capacidade que Melina tem de se comunicar através de suas expressões, sobretudo com o olhar, muito bem explorado em closes extremamente fechados. Raiva, medo, desespero, tristeza, angústia; tudo é articulado tão intensamente pela atriz que por vezes até assusta. Nicholas Boulton interpreta o provocativo Druth, um sábio irlandês morto pelos mesmos homens do norte que assassinaram Dillion. Ele aparece para Senua por meio de memórias, e conforme a história avança, relembra sua jornada, fazendo paralelos com a missão de Senua e levantando questões sobre fé, vida, morte, dor, amor e autoconhecimento. Além de toda a filosofia empregada, através de suas histórias aprendemos muito sobre a Mitologia Nórdica como um todo.
Estética e Mitologia
Entidades mitológicas nórdicas marcam presença em Hellblade, como Surtr, líder dos gigantes de fogo, Valravn, um enorme corvo que devora o coração de reis caídos em batalha e até mesmo Hela, a deusa nórdica dos mortos. A representação um tanto indefinida dessas e de outras entidades no jogo chamam a atenção pela sua crueza. Ameaçadoras, malignas e despidas de qualquer glamour hollywoodiano, as criaturas impõe respeito pelo medo do desconhecido, algo semelhante, imagino, ao que sentiam as pessoas da época, diferente do que qualquer viking de Osasco possa pensar, sendo muito mais condizente com o que se espera de criaturas de tal natureza.

Jogabilidade
Quem jogou o God of War de Cory Barlog com certeza perceberá semelhanças. O combate é simples, fluído e efetivo, permitindo diferentes maneiras de lidar com os inimigos, que embora um tanto repetitivos não chegam a atrapalhar a experiência, levando em conta a quantidade de combates, a duração do jogo e diversidade de situações onde aparecem, sempre trazendo elementos que somam à narrativa que, lembrem-se: é contada através da visão e compreensão da protagonista.
Os puzzles possuam fortes características visuais, exigindo a identificação de runas e outras formas no ambiente, quase como se a todo momento a mente de Senua maquinasse recordações e sentimentos diversos.
Até o dia 2 de Setembro de 2021, Hellblade sai por R$39,97 na Playstation Store. O jogo também pode ser encontrado na Steam. Com a aquisição da Ninja Theory pela Xbox Game Studios, “Hellblade II: Senua’s Saga” será exclusivo para Xbox e PC. Confira o primeiro trailer clicando AQUI.
Cara, esse review faz jus ao jogo… Lembro que a primeira vez que joguei no Switch, fiquei meio triste pela qualidade gráfica, mas quando o jogo iniciou, parecia que os gráficos eram só um ponto de preenchimento da história e ambientação. Os efeitos e trilha fazem aquela ambientação incrível. Joguem!