“Em meus sonhos inquietos, eu vejo aquela cidade… Silent Hill. Você prometeu que me levaria lá algum dia, mas você nunca o fez. Bem, eu estou sozinha aqui agora, em nosso lugar especial… Esperando por você”.

Alô.

Há 20 anos era lançado o que pra mim é o maior game de terror de todos os tempos. Com totais condições de figurar entre as mais célebres obras da literatura ou do cinema, Silent Hill 2 mostra todo o potencial da décima arte entregando uma trama repleta de significados, reflexões, cenas e personagens memoráveis.

Aos 12 anos de idade, eu jogava sem entender praticamente nenhuma palavra de inglês, no meu PS2 plugado na TV CRT da LG. Conforme o sol se punha e o silêncio tomava conta de casa, eu sabia que era hora de parar pra quem sabe conseguir dormir direito à noite sem ser assombrado pela estática do rádio ou pelos passos de James Sunderland ecoando nos corredores do Wood Side Apartment. Vinte anos depois, um tanto menos burro, eu percebo o quão mais fundo vai essa história.


E o que é Silent Hill 2?

O jogo original da franquia chegou às lojas em Janeiro de 1999 para o Playstation, sendo concebido como uma resposta ao sucesso de Resident Evil, que lançaria seu terceiro capítulo mais tarde naquele ano. As maiores diferenças estão no fato de que Silent Hill possui cenários totalmente 3D ao invés das fotos pré-renderizadas de Resident Evil, e busca explorar um lado mais psicológico do horror, enquanto a franquia de zumbis da Capcom se baseia em ameaças biológicas criadas por megacorporações, fundamentando discussões muito mais anticapitalistas do que qualquer infante pseudo-economista de condomínio pode suspeitar.

No segundo capítulo da franquia, que não demonstra nenhuma ligação imediata com o antecessor a não ser a própria cidade, James Sunderland recebe uma carta de sua esposa Mary, que diz o estar esperando em Silent Hill.

O único problema… é que Mary faleceu há três anos.

Personagens e Conceitos

Tendo como base o romance Crime e Castigo de Fyodor Dostoevsky, a trama escrita por Hiroyuki Owaku reflete sobre a mente humana, explorando reações a situações extremas e o modo como a mente de cada um encara e julga causas, ações e reações. Sem que seja necessário entregar muito do enredo, é permitido dizer que a culpa é um elemento base para toda a narrativa.

Ao se aproximar da cidade, James encontra a jovem Angela em um cemitério. A moça, que parece assustada, tenta prevenir o protagonista sobre o local. Mais tarde, ele conhece Eddie, que apresenta uma mania de perseguição exagerada, sintomas de ansiedade extrema e uma agressividade intensa. Aos poucos, outros personagens são apresentados, como a sensual e misteriosa Maria, que rapidamente se torna alvo de uma bizarra obsessão por parte de James. Laura, uma ardilosa garotinha que vive botando o protagonista em armadilhas, fomenta a maioria das teorias acerca do que aconteceu com Mary, e sobre o que a cidade é de fato.

Passando por cenários como prédios residenciais, hospitais, parques, museus, prisões e hotéis, James aprende sobre a história da cidade enquanto persegue pistas que podem o levar até Mary. A cada passo, ele remói o passado ao passo que pistas cada vez mais assustadoras se encaixam em sua cabeça.

Visual e Jogabilidade

Sendo uma evolução natural do primeiro episódio, Silent Hill 2 traz gráficos deslumbrantes para a época, que mesmo hoje em dia não estão tão datados assim. A névoa ainda está lá pelo mesmo motivo: auxiliar no processamento gráfico, mas parece mais natural em comparação com a “parede branca” do jogo de 1999. A movimentação labial durante as cutscenes pré-renderizadas também impressiona. A estética pálida dos personagens e todo o visual frio da cidade ambientam a história com maestria.

O tank control, elemento praticamente obrigatório em qualquer jogo de terror daquele tempo está de volta consideravelmente evoluído. Ao contrário de Harry Mason (protagonista do game original), James Sunderland se movimenta de uma forma mais fluída, embora ainda longe de parecer perfeita. A possibilidade de olhar em volta movimentando a câmera é mais uma adição que facilita a vida de quem joga. O sistema de combate à distância também foi otimizado, mas é ao usar as armas brancas que percebemos uma maior evolução. Os inimigos, muito mais bizarros e relativamente fáceis de neutralizar, são parte chave da narrativa; o intimidador Pyramid Head é tido como um dos maiores antagonistas da história dos games.

Um ponto interessante, que se repetiria em Silent Hill 3, foi a possibilidade de escolher, além da dificuldade do game em si, o nível de desafio dos enigmas. O Riddle Level pode variar entre Fácil, Médio e Difícil, e escolher a última opção resulta em puzzles bastante complexos, que exigem uma ótima interpretação de texto e conhecimento de obras literárias, passagens bíblicas e lendas/ditados gerais do cotidiano; um prato cheio para quem assim como eu, curte estes momentos onde você deve botar o controle de lado, observar o texto e rascunhar possíveis soluções em um papel.

Para melhor experienciar Silent Hill 2 hoje em dia, o primeiro conselho e fugir da HD Collection lançada para PS3, pois a versão se resume a um deplorável festival de glitches e polimentos mal feitos. Se você não possui um PS2 disponível, jogar a versão de PC pode ser o melhor caminho, tendo em vista que o game é antigo e não carece de tanto poder de processamento. No computador também está disponível o subscenario “Born From a Wish”, inexistente nas primeiras versões de PS2.

Algo que também vale, e muito, mencionar, é que desde 2018 fãs tem trabalhado na Silent Hill 2: Enhanced Edition. O projeto se trata de um pacote de aprimoramentos que pode ser instalado sobre o game no PC, atualizando os visuais, adaptando a proporção de tela ao widescreen 16:9, polindo sombras e fazendo upscaling de diversos objetos e textos. Além das melhorias gráficas, som e jogabilidade também estão sendo atualizados. A Enhanced Edition definitivamente é um prato feito para quem tem interesse em Silent Hill 2 mas não lida bem com elementos datados do retrogaming.

Confira a Enhanced Edition: http://www.enhanced.townofsilenthill.com/SH2/

Pretendo, em breve, trazer mais textos sobre Silent Hill 2, mergulhando de maneira mais profunda na história. Entretanto, quis manter o primeiro texto livre de spoilers para quem ainda não conhece essa obra de arte. No meio tempo, jogue e me diga o que achou, ou me conte sobre suas experiências com o game.

Até lá.