Alô.
É, eu não sei fazer clickbaits, mas todo mundo conhece ao menos uma pessoa que torce o nariz para o legado de Hideo Kojima. Não tanto para os seus jogos, mas para sua influência.
“Como assim?”, você deve estar se perguntando.
Pois bem,
Em 1998, Metal Gear Solid foi lançado para o Playstation e finalmente atraiu a atenção de jornalistas e amantes do cinema para os videogames. A sequência introdutória onde Solid Snake invade Shadow Moses pelo mar, que mostrava o nome dos dubladores na tela de modo similar ao que vemos no cinema com atores e diretores foi o ponto de partida para aqueles que antes tratavam jogos eletrônicos como brinquedos começassem a entender o potencial da décima arte. A estrutura do roteiro, a direção das cutscenes, os ângulos de câmera, paleta de cores e todas as técnicas empregadas no cinema se faziam extremamente presentes ao longo da partida e eram partes essenciais da narrativa.
Hideo Kojima era o único a empregar elementos cinematográficos em seus jogos? Não. Foi o primeiro? Tampouco. Clock Tower, de 1995, por exemplo, já explorava a linguagem no Super Nintendo sob direção de Hifumi Kono, que fã do cinema Giallo como era, quis trazer elementos do gênero italiano ao jogo. Não é difícil perceber o quanto a protagonista Jennifer se assemelha em aparência e figuro à… Jennifer, personagem central de Phenomena (1985), de Dario Argento.
Super Metroid (1994) traz inúmeras referências à franquia Alien, enquanto Streets of Rage (1991) exala a vibe urbana dos filmes de ação dos anos 1980. É importante ressaltar que tais alusões não estão apenas em nomes, mas distribuídas por toda a estética.
Com o advento do 3D, aproximar as duas mídias com certeza se tornou uma tarefa menos difícil, possibilitando a criação de obras como Resident Evil (1996). D (1995), Enemy Zero (1996) e D2 (1999) contaram inclusive com a presença de Laura, uma “atriz digital”, como definia Warp Inc., detentora das franquias.
Isso faz tais jogos serem superiores aos mais convencionais, como platformers, JRPG’s ou jogos de luta?
Definitivamente, não.

São apenas diferentes maneiras de se criar videogames. Entretanto, embora jogos mais “tradicionais” nunca tenham saído de cena, o que não falta internet afora é gente bradando regras de que jogos cinematográficos são todos iguais, que não são videogame de verdade e até que não deveriam existir.
A “culpa” de Kojima entra justamente aí, por ser um dos, se não o maior, representante de tal prática.
Em 2014, Kojima se envolveu na criação de um novo Silent Hill, ao lado de gente como Junji Ito e Guillermo del Toro. Embora tenha sido cancelado quando a Konami quebrou a parceria de 30 anos com o desenvolvedor japonês, Silent Hills ditou a estética que os jogos de terror veriam nos anos seguintes apenas com um simples teaser jogável que influenciou até mesmo Resident Evil, seu principal “concorrente”.
Em 2016, Kojima fechou parceria com a Sony, que praticamente deu um cheque em branco em suas mãos e confiou no resultado.
Em 13 de Junho de 2016, o mundo viu o primeiro trailer de Death Stranding.
“Isso não faz sentido nenhum, e quem é fã desse cara finge que entende e gosta só pra pagar de inteligente!”, “Se o Kojima cagar, vocês comem!”, entre tantas outras frases, foram o começo de uma reprovação desmedida que culminou num enorme e cansativo review bombing (ato internético de bombardear algo com reviews negativos por pura pirraça, na maioria das vezes sem de fato consumir o material).
Joguei Death Stranding desde o primeiro minuto em que o game foi liberado e pude perceber inúmeras semelhanças com Metal Gear Solid, mas também muitas novidades, tudo sempre transbordando as mais marcantes características da mente inquieta de Hideo Kojima.
Death Stranding vai muito, muito além do “simulador de correio” que quem não o jogou dizia se tratar. A solidão e as longas caminhadas não estão lá à toa, e tudo se conecta a um conceito que quem só quer pular e atirar (e não há problema algum nisso) não está afim de entender, mas que por algum motivo inexplicável, quer depreciar. A cada amigo que voltava dizendo ter gostado do game após me garantir que “só ia jogar pra poder falar mal com propriedade”, eu ficava mais feliz. Houve quem insistisse, e fingisse espanto ao ver Death Stranding figurando entre os jogos mais vendidos da Steam ao fim de 2020, mais de um ano após seu lançamento original no PS4. Sem ter dado um passo na pele de Sam Porter Bridges, diziam que tudo o que rodeia Kojima não se passava de Culto à Personalidade.

E falar sobre a premissa, a gente precisa?
Em um mundo tomado por ameaças resultantes de um evento cataclísmico, Sam Porter Bridges (Norman Reedus) precisa se locomover entre abrigos fazendo entregas, pois é perigoso demais para pessoas comuns transitarem livremente por aí sem correr risco de morte. Em Death Stranding, os entregadores têm papel primordial para que a sociedade possa se reconstruir, um passo de cada vez.
Essa gente inventa cada coisa…

Por que a gente não pode simplesmente gostar das coisas que gosta?
Enfim, quando comecei a escrever este texto, planejava falar da maior e mais significativa “previsão” de Kojima, que acaba de completar 20 anos: Metal Gear Solid 2, mas como a introdução ficou maior que muitos textos inteiros aqui do blog e eu não gosto de pular contextos, me permiti tagarelar nos seus olhos por todo esse tempo. Vamos falar de Metal Gear Solid 2 na próxima vez, se você ainda quiser voltar.
Nos vemos lá. 🙂