Existem perguntas repetidas à exaustão desde antes mesmo da humanidade conseguir se comunicar. Algumas assombraram grandes mentes até o fim de suas vidas e foram motivo de estudos e reflexões desafiadoras que passaram de mestre a pupilo e continuam sendo um completo mistério.
E existem também as que talvez não devessem ser feitas.
Por que a sua banda não chama um vocalista?
Por mais que eu entenda que na maioria das vezes a indagação não vem com más intenções, é interessante se atentar ao fato de que a música não é, nunca foi e nunca será sobre cantores acompanhados de fundos instrumentais.
El Sistema Nacional de Orquestras y Coros Juveniles e Infantiles de Venezuela deixou sua marca no Guinness Book em Novembro de 2021 ao reunir 8573 músicos entre 12 e 77 anos de idade executando a Marcha Eslava de Tchaikovski. Só no palco, mais de 8 mil vidas impactadas por música… sem voz. Isso, é música.

Naná Vasconcelos toca berimbau sozinho por 19 minutos em Africadeus e explode a cabeça de quem acha que esse é um instrumento limitado ou mesmo fácil de se tocar. Não é proferido um pio no lado inteiro do álbum. Isso, é música.
Possuir ou não vozes entoando letras jamais será indicativo de qualidade e muito menos de completude. Existem infinitas propostas dentro e principalmente fora do mainstream que atendem as avidezes e expectativas dos mais variados públicos. A banda que você curte hoje só é o que é porque ouviu alguém, que ouviu alguém, que ouviu alguém, e se você mergulha nessa rede, só tem a ganhar, a expandir a compreensão e o gosto pessoal. Suas experiências literalmente só melhoram!
Permita-se desfrutar de algo novo; ou nem tanto assim, ou será que você não parou pra perceber que boa parte da música que faz parte do nosso dia a dia é instrumental? Comerciais do Youtube, aberturas de série, temas de cinema, de videogame… John Williams, Hans Zimmer, Ennio Morricone, Wendy Carlos, Howard Shore, James Horner, Nobuo Uematsu, Akira Yamaoka e Motoi Sakuraba são apenas alguns componentes de uma imensa constelação de artistas que criam e nos imergem em histórias e mundos.

Os maiores sucessos dos titãs do jazz e do fusion, são discos instrumentais. Será que Herbie Hancock, Bill Evans, Miles Davis ou Dave Brubeck já foram questionados sobre a ausência de vozes cantantes em suas músicas? Achei que esse problema inofensivo estava superado quando vi fãs jovens lotando o Carioca Club para assistir ao Animals as Leaders. Essas obras nos contam histórias, nos falam de quem as compôs, e se mesmo letras cantadas divergem opiniões a respeito de suas verdadeiras interpretações, por que isso não pode fazer parte da graça da música instrumental também? Ouça o que os instrumentos te dizem. Já vi gente chorar só de ouvir os dois primeiros compassos do tema de Forrest Gump, composto por Alan Silvestri, onde o piano nos apresenta o jovem Forrest e todas as suas características: a inocência, o amor, a sinceridade… é possível ver o mundo através dos seus olhos.
Por fim, confira este vídeo do saudoso Angelo Badalamenti, parceiro de longa data do cineasta David Lynch, destrinchando um dos temas de Twin Peaks, uma das parcerias de maior sucesso da dupla. No registro, o músico conta que David sentou ao seu lado e narrou a cena, que consistia em uma floresta iluminada pela lua com sons de animais ao fundo, sopradas por um vento suave, até que surge uma garota triste e solitária chamada Laura Palmer, o estopim de toda a trama do premiado e revolucionário seriado.
Vamos falar mais de música contando histórias? Confira este post aqui.
Ah! E eu já ia me esquecendo de algo muito, muito importante:
Música boa não é só a que você gosta.
Tchau, brigado.
*Foto da Capa: Jeffrey B. Sedlik (Reprodução)