Alô.
2023 levou embora consigo a notória parceria de Mike Flanagan com a Netflix. A Queda da Casa de Usher foi a última colaboração da dupla que iniciou uma sequência de seriados em 2019 adaptando de maneira bastante livre A Assombração da Casa da Colina, livro da brilhante Shirley Jackson lançado em 1959. Flanagan deixa a gigante do streaming tendo realizado cinco seriados e um filme (Jogo Perigoso, de 2017) de mudança para a Prime Video.
De certo modo, é o fim de uma era.
Por que não, então, comentar estes seriados?
Comecemos com Missa da Meia-Noite.
Trama
Riley Flynn deixa a prisão após quatro anos acompanhado das lembranças da noite em que matou uma mulher por dirigir alcoolizado. Sem perspectivas de vida, retorna à Crockett Island, uma pequena ilha distante do continente para viver com os pais no pequeno vilarejo com pouco mais de 100 habitantes. Não muito tempo depois, a ilha recebe o Padre Paul Hill, responsável por substituir o Monsenhor Pruitt, que já bem idoso, precisa de um tempo para cuidar da saúde.
A chegada do Padre Hill traz consigo intrigas, eventos deveras estranhos e até mesmo milagres, que vão impactar a vida da insípida pequena ilha.
Missa da Meia-Noite chegou à Netflix em 2021 e é a única das cinco séries a não ser baseada em livros.
Como o título sugere, Missa da Meia-Noite propõe diferentes discussões acerca da relação das pessoas com fé e religião. Cada habitante da pequena cidade certamente nos fará lembrar de pessoas ou situações conhecidas, seja pela devoção, perversidade, ou alienação. A marca registrada de Flanagan de misturar horror e drama segue forte como sempre à medida que conhecemos mais das almas daquele minúsculo lugar.

Atuações e Histórias de Vida
Mike Flanagan também é conhecido por trabalhar múltiplas vezes com um mesmo ator ou atriz. Assim como Ingmar Bergman elegeu Liv Ulmann sua eterna musa, Flanagan já coleciona oito trabalhos ao lado da esposa Kate Siegel, que em Missa, vive Erin Greene, uma atriz que saiu de Crockett Island ainda adolescente em busca de seu sonho. De volta à ilha após se libertar de um relacionamento abusivo, Erin espera seu primeiro filho. Malvista aos olhos de alguns, possui muito em comum com Riley, interpretado por Zach Gilford, gerando uma convivência que suscita algumas das melhores cenas e diálogos da série.
Os absolutos destaques, entretanto, são Hamish Linklater, o Padre Paul Hill; e Samantha Sloyan, a fanática religiosa Beverly Keane.
Linklater manifesta a doçura e o olhar compreensivo de um verdadeiro homem de fé. Seu trabalho de voz é único e bastante envolvente, e seus fervorosos sermões possuem a paixão de alguém decidido a liderar seu rebanho em direção a Deus, muitas vezes independendo de lógica e até mesmo de bom-senso; já Sloyan entrega a cobiça exagerada de uma mulher declaradamente empenhada a impor suas visões aos demais, protagonizando situações potencialmente odiosas. Sua performance é envolvente e nos apresenta uma devota tão certa de suas convicções, que além do ódio, parece ter pena de quem manifesta qualquer discordância, como se fossem seres inferiores incapazes de compreender a grandeza do seu Deus.
A dinâmica familiar entre o Xerife Hassan (Rahul Kohli) e seu filho Ali (Rahul Abburi) agrega o ponto de vista muçulmano num ambiente cristão intolerante. Assim como em vários outros núcleos da série, Flanagan nos conduz através da história e do ponto de vista de seus personagens através de relatos longos, detalhados, e bastante pessoais.

A chegada do novo padre é só o início para uma cadeia de eventos que com certeza trarão revolta, tristeza, e muita reflexão.
Existem problemas? É claro! Mildred, pro exemplo, é uma idosa enferma vivida por Alex Essoe, de apenas 32 anos, que tem sua interpretação já um tanto mediana extremamente comprometida pela maquiagem nível Larissa Manoela no programa da Eliana. Ainda que pareça inofensivo, esse deslize tira a potência das cenas quando Alex divide a tela com as atuações poderosas do resto do elenco, e acaba ainda entregando de bandeja informações vitais muito antes da hora aos olhares ligeiramente mais atentos.
Os 7 episódios encontram-se disponíveis, obviamente, na Netflix, e são um prato cheio para quem gosta de histórias de terror, religião, e drama. Já viu? Pensa em ver? Gosta dos outros trabalhos do Flanagan?
Me conta nos comentários.
