É terça-feira, 12 de Agosto de 2014.

Você liga seu Playstation 4 na véspera da Gamescom e a loja oferece um lançamento chamado simplesmente de P.T. A vitrine exibe a imagem estática de uma mata. Não há pessoas ou qualquer outra coisa à vista, somente o título do projeto e o nome do desconhecido 7780s Studio, responsável pela obra.

Depois de instalar o jogo, demo, programa ou seja lá o que for, você o inicia. A tela escura o instrui a ajustar o brilho e escolher o idioma. O início da partida, sem qualquer título ou algo assim, indaga:

Cuidado! A fresta na porta… 

é uma realidade paralela.

O único eu sou eu.

Você tem certeza de que o único você é você?

Quando a tela ganha foco novamente, você se vê jogado no chão de um quarto vazio. Duas baratas vagueiam por ali. A porta se abre lentamente e você se põe de pé.

Ao passar para o cômodo seguinte, há um corredor. As luzes estão acesas e há diversos quadros dispostos nas paredes. Seus passos emitem um barulho abafado. O relógio marca 23:59 e o rádio está ligado. Há garrafas vazias, cigarros e lixo pelos cantos e sobre os móveis.

O noticiário diz:

No dia do crime, o pai foi até o porta-malas do carro, pegou a espingarda e atirou em sua esposa enquanto ela limpava a cozinha depois do almoço. Quando o filho de dez anos veio ver o que havia acontecido, o pai atirou nele também. A filha de seis anos teve a presença de espírito de se esconder no banheiro, mas relatos sugerem que ele a atraiu para fora, dizendo que era apenas um jogo. A menina foi encontrada com um tiro à queima-roupas no peito.

A mãe, baleada na barriga, estava grávida.

A polícia, que chegou à cena do crime após os vizinhos terem chamado a emergência, encontrou o pai em seu carro, ouvindo rádio.

Agora, só há estática no rádio. Parece chover lá fora, e outros sons indecifráveis ecoam pelo corredor. Só resta seguir em frente pela única porta disponível, que não é a de saída.

Você se vê, de novo, no mesmo corredor.

Preso. Num loop bizarro, no silêncio ameaçador.

A cada incursão, descobrem-se murmúrios de dor. Parecem ser de uma mulher.

Quando a porta do banheiro finalmente se abre, há um feto dentro da pia. Ele se contorce. Sofre. Chora. Tudo fica cada vez mais grotesco.

Você quer apenas que isso acabe logo, mas tem consciência de que para alcançar o final da experiência, é preciso seguir em frente, desbravando sabe-se lá mais o quê.


À medida que as voltas prosseguem, novas pistas aparecem através de escritos na parede e elementos no cenário, como uma geladeira ensanguentada presa por uma corrente que balança sobre a porta de entrada, luzes vermelhas, azuis, símbolos misteriosos na parede, e muito mais. Por vezes, elementos diegéticos do game se misturam com menus ou opções do sistema, deixando você completamente perdido.

Não é capaz de te machucar… será mesmo?

Ao conhecer Lisa melhor do que gostaria e solucionar o último enigma, o telefone toca.

Você foi escolhido. – diz a pessoa do outro lado da linha.

Você então atravessa a porta pela última vez,  e em meio à estática do rádio, a voz diz:

Meu pai era um saco. 

Todo dia comia a mesma comida, se vestia sempre igual, se sentava e via os mesmos jogos.

É, ele era bem esse tipinho.

Mas um belo dia, ele vem e mata todos nós!

Nem nessa hora ele foi original.

Não estou reclamando… eu estava morrendo de tédio, mesmo. 

Mas adivinha só? Eu voltarei, e trarei meus novos brinquedinhos comigo.

Uma lanterna ilumina o asfalto antes de olhar para frente. Você está em uma rua deserta, à noite.

Um nome, que muda tudo, é mostrado na tela:

Hideo Kojima.

É revelado então que P.T. se tratava de um Playable Teaser – um teaser jogável – para Silent Hills, protagonizado por Norman Reedus, que vivia o ponto mais alto de sua carreira como Darryl Dixon em The Walking Dead, e co-dirigido pelo hoje vencedor do Oscar, o cineasta mexicano Guillermo del Toro. Mais tarde, foi revelado que o mestre dos mangás de horror Junji Ito também estaria envolvido.

Recepção e Impacto

Como esperado, a internet veio abaixo com a descoberta da nova empreitada de Hideo Kojima. Em pouco mais de um mês, P.T. foi baixado mais de 1 milhão de vezes e abordado pela imensa maioria da mídia especializada e canais de videogame no Youtube do mundo todo. Alguns exemplos de brasileiros que jogaram na época – alguns antes mesmo da revelação do mistério – são Alanzoka, BRKsEdu, Leon Martins e Jovem Nerd.

Pouco mais de um mês depois, na Tokyo Game Show, Kojima e Del Toro exibiram um Concept Trailer para o game, que pode ser conferido abaixo:

Bom demais para ser verdade

Em Março de 2015, o público percebeu que o nome de Hideo Kojima havia sido retirado das campanhas de marketing de Metal Gear Solid V: The Phantom Pain, criando suspeitas de que o lendário desenvolvedor estaria se desligando da Konami, proprietária tanto da série Metal Gear, quanto de Silent Hill. A magnitude do assunto causou um enorme rebuliço no cenário e levantaram-se hipóteses de que os atritos entre Kojima e a Konami se deviam à divergências criativas, monetárias e de planejamento no desenvolvimento de Metal Gear Solid V.

Um mês depois, P.T. foi completamente removido da Playstation Store e desvinculado até mesmo de contas que ainda o possuíam em sua biblioteca. A única maneira de se jogá-lo oficialmente desde então, é nunca tê-lo desinstalado do Playstation 4.

No mesmo dia, Del Toro foi perguntado sobre o futuro do projeto e se limitou a dizer:

“Não vai acontecer”.

Quarenta e oito horas depois, Silent Hills foi oficialmente cancelado.

Legado

Menos de uma semana após o cancelamento, fãs iniciaram uma petição no site change.org, endereçando uma carta a Kojima e Del Toro para que não abandonassem a empreitada e propondo inclusive a criação de um crowdfunding. As quase 200 Mil assinaturas, entretanto, não surtiram efeito.

Com o universo gamer tendo que lidar com o luto por um dos projetos mais promissores da história, não demorou para que diversos jogos nitidamente baseados naquele mero teaser aparecessem por aí. A polonesa Bloober Team, responsável pelo remake de Silent Hill 2, teve um considerável aumento em sua notoriedade com Layers of Fear, seu primeiro jogo de terror, lançado em 2016. Na pele de um pintor atormentado, você deve explorar seu estúdio e lidar com uma espiral descendente em direção à insanidade por conta de questões artísticas, familiares e patológicas. O ritmo lento em primeira pessoa e o visual fotorrealista repleto de mistérios deixava claro qual era a maior referência. 

Grandes desenvolvedoras também lançaram suas apostas: a Capcom repetiu até mesmo os teasers jogáveis misteriosos para manter internautas ocupados durante a campanha de marketing de Resident Evil 7, que trouxe o primeiro título numerado em primeira pessoa para a franquia, com personagens novos e um tom muito mais minimalista que seu controverso antecessor. Visage (2018) e Blair Witch (2019) são outros exemplos de sucessores espirituais para o game nunca nascido de Kojima e Del Toro. Além de títulos completos, outras obras fizeram questão de dedicar segmentos inteiros a P.T., como Observer (2017). Em 2024, o subgênero “P.T.-Like” segue a todo vapor com títulos promissores como Reveil e Haunted Bloodlines.

Ocasionalmente, Kojima parece alfinetar a antiga empregadora em suas redes sociais com screenshots e fotos que remetem a Silent Hills. No The Game Awards 2023, o desenvolvedor japonês, ao lado de seu novo colega de trabalho Jordan Peele – o diretor de Corra! -, decorou o palco com um cenário que remetia a uma das portas do labirinto visto no teaser para apresentar O.D., o vindouro game da dupla estrelado por Hunter Schafer (Euphoria), e que conta ainda com Sophia Lillis (It) e Udo Kier (Suspiria, Bacurau) . Numa investigação típica, a internet conseguiu encontrar referências a Silent Hill cuidadosamente escondidas no vídeo de revelação do novo trabalho.

E você, se lembra onde estava no dia 12 de Agosto de 2014? Jogou P.T.? Conta pra mim nos comentários.