Praticamente dois anos após seu anúncio, o remake de Silent Hill 2 finalmente chegou às lojas no dia 7 de Outubro de 2024. Alvo de certezas derrotistas — pois a internet não trabalha com hipóteses — desde o dia 1 por parte daqueles que execravam a desenvolvedora Bloober Team sem nunca ter jogado um de seus títulos, o game foi majoritariamente bem recebido por público e crítica.

Sim, a Bloober Team possui diversos problemas, especialmente alguns ligados a elementos muito presentes em Silent Hill 2, mas a presença de Masahiro Ito, designer de criaturas da versão de 2001 tinha que valer de alguma coisa.

Durante a longa espera pela chegada do game, vimos desentendimentos públicos entre a Bloober Team e a Konami por conta das estratégias de divulgação do game, tal qual o controverso Combat Reveal Trailer. Foi apenas com o story trailer que os fãs da franquia pareceram ficar mais otimistas, alimentando também as esperanças de quem nunca havia jogado Silent Hill, mas foi só quando James Sunderland encostou seu Pontiac Ventura 1977 no mirante do Lago Toluca que pudemos de fato ter certeza de alguma coisa.

Performance

Era inevitável que o remake de Silent Hill 2 fosse comparado ao remake de Resident Evil 4 (Capcom) e a Alan Wake 2 (Remedy), dois grandes títulos do terror lançados em 2023. Contemplada com o menor orçamento entre os três, a reconstrução da cidade enevoada visivelmente possui menos polimento técnico: ocasionalmente percebemos contornos brancos em torno dos personagens, glitches em elementos como poças d’água, texturas estranhas em objetos e quedas de frame (especialmente no PC) mesmo no modo performance. Alan Wake 2, similarmente, enfrentou problemas de performance no PC, mas é um jogo mais complexo visualmente.

A movimentação dos personagens também é aquém da de seus pares, com variações de movimento mais limitadas. Armas grandes como a espingarda, rifle, ou mesmo o pedaço de cano somem quando James as guarda ao invés de permanecerem anexas a seu corpo. Entretanto, a Bloober Team pareceu saber exatamente como investir tempo e dinheiro neste projeto, dando importância a elementos que importam mais.

Desde o início, no banheiro escuro onde James encara o espelho, é possível perceber um grande esmero em reforçar tudo o que o original imortalizou enquanto se realçam a complexidade e verossimilhança dos cenários. Para bons observadores, a representação de Lilith retirada do livro Dictionary of Demons, de Fred Gettings, continua lá, sendo apenas um exemplo das inúmeras minúcias que podem ser observadas ao longo da partida. Definitivamente um trabalho feito por fãs que possuem comprometimento com este aspecto da obra original e com seu próprio trabalho.

Ambientação

A progressão do game trabalha muito a ideia de contar histórias com os cenários: placas, objetos jogados, decorações, goteiras, entulho, tudo nos dá pistas do que poderia ter acontecido ali antes da presença do protagonista, além de diversas notas e diários que fomentam novas teorias. Em entrevista, a designer sênior de narrativa Barbara Kciuk ressalta que em 2001, o artista podia controlar o que o jogador veria devido à câmera fixa, mas que com os padrões de jogabilidade atuais, a concepção de cada canto do cenário se torna um desafio. Cada nova sala explorada envolve o novo jogador e brinda o veterano — às vezes até demais, o que acaba por deixar de lado certas sutilezas e a relação de elementos menores com os temas tratados — com acenos que só quem já conhece a história pode perceber, e tudo acaba se juntando no final.

Barulhos abafados vindos de outras salas ou sons de arrastões metálicos que nos lembram… dele, fazem com que desejemos estar sozinhos, pois as possíveis companhias podem ser muito piores. Diferentes intensidades de tensão e horror se alternam com momentos de quietude, confusão, tristeza e reflexão, fazendo com que a campanha cerca de três vezes mais extensa não se torne maçante. A incerteza da detecção dos manequins pelo rádio, que só os acusa quando em movimento, nos mantém em alerta o tempo todo.

A célebre névoa continua lá, livre de suas funções técnicas, mas exercendo seu papel narrativo envolvendo prédios e inimigos e revelando-os conforme nos aproximamos, mostrando-se em acordo com a tecnologia atual. Quando quer, o game consegue ser muito opressivo. É desafiador continuar a partida depois de certos momentos e boss fights, fazendo-se necessário uma pausa para respirar.

Narrativa

O enredo permanece praticamente o mesmo do game original, apresentando poucas mudanças no conteúdo que já conhecíamos, mas há também novos diálogos e cutscenes que detalham a relação de James com os personagens coadjuvantes. Muito segue contado nas entrelinhas através de elementos mínimos, como a marca da aliança no dedo anelar de James, sua progressiva aparência de cansaço e as unhas roídas nas mãos de Angela, detalhes que geram ótimas discussões acerca da vida daquelas pessoas e também da própria cidade e seu poder espiritual.

Nas atuações, podemos destacar Luke Roberts (Black Sails), que foi visto inicialmente por uma parcela de fãs como um homem muito imponente para interpretar o desorientado James, mas mostrou que seu porte físico proeminente e voz profunda não são impeditivos para entender o que move James e quais são suas percepções da situação que está vivenciando. Salóme Gunnarsdóttir (Pennyworth) é uma Maria (sim, ela também interpreta Mary, mas sua contraparte tem muito mais tempo de tela para poder se desenvolver) menos explícita, o que acaba apagando momentos memoráveis da concepção da personagem original, mas que busca se encaixar no padrão mais sóbrio pretendido pela nova versão. As interações da dupla exibem uma maior maturidade em relação ao game anterior. Evie Templeton (Laura) e Scott Haining (Eddie) expandem suas performances à medida que conhecemos mais de seus personagens e da história, criando catarses intensas. Gianna Kiehl (Angela) talvez seja a mais prejudicada por algumas decisões criativas que impõem comportamentos estigmatizados e clichês a uma das melhores personagens de toda a franquia.

Foto: Reprodução

Jogabilidade

Para uma parte específica dos fãs, especialmente os mais saudosistas, nada pôs a qualidade do remake tão em cheque quanto a jogabilidade visivelmente inspirada em The Last of Us e seus derivados, com câmera sobre o ombro. Nos primeiros trailers, o barulho das armas e o impacto sentido nos ataques físicos foi objeto de preocupação.

Falando como grande fã dos survival horrors da era de ouro do Playstation e de games que buscam reavivar essa estética como Tormented Souls, Back to 1995 e Cannibal Abduction, reconheço que a mudança fez bem para Silent Hill, especialmente por se tratar de um jogo com tanto a se explorar e olhar; além de que esperar uma franquia dessa magnitude se arriscar a não jogar na zona de conforto do mercado sempre esteve fora de cogitação.

O combate nos possibilita criar estratégias diferentes para cada um dos inimigos alternando entre armas de fogo e ataques físicos para lidar com os inimigos que diferente do original, realmente oferecem perigo. Além de novos puzzles, os antigos foram reformulados e expandidos, referenciando os originais mas oferecendo novas resoluções.

Afinal, é bom mesmo?

Sigo digerindo e jogando pela segunda vez, mas tenho um sentimento muito forte de que o remake de Silent Hill 2 é meu novo jogo de terror favorito, tomando o posto que antes pertencia à sua versão original… Tudo observado muito de perto por Alan Wake 2. Pelo visto o terror voltou mesmo, não é?

Este remake manteve tudo o que eu gostava no game original e atualizou coisas que há 23 anos foram limitadas por questões técnicas (eu sei, cabe um outro debate aqui, mas que não é pra hoje), aperfeiçoando, e muito, a experiência como um todo. Fica também a admiração por terem mantido, e até mesmo exposto mais, temas extremamente delicados que além de essenciais para a trama, buscam conscientizar o jogador.

… se isso é verdade, por que você continua tão triste?