Como já discutimos antes aqui, o horror nos videogames chegou ainda na alvorada da década de 1980 em games como Mystery House e Sweet Home, e o avanço da tecnologia favoreceu desenvolvedores que queriam levar os videogames além.
Fascinado pelas possibilidades que o 3D oferecia, o desenvolvedor Frédérick Raynal se muniu de sua obsessão por filmes de terror setentistas, traçou um plano que acomodasse tanto as possibilidades técnicas quanto seus conceitos artísticos e pavimentou o caminho para os jogos de terror como conhecemos até hoje.
Este texto é para te convencer a jogar Alone in the Dark.
Não o de 2024, tampouco o The New Nightmare e muito menos o de 2008, mas o primeiríssimo, de 1992.
Tecnologia
Em 1990, a francesa Infogrames apresentou ao mercado Alpha Waves, um game de puzzles e exploração com formas geométricas em plataformas coloridas totalmente em 3D que permitia ao jogador inclusive o controle da câmera, algo nunca visto até então. Desenvolvido para os computadores Atari ST e Amiga por Christophe de Dinechin, Alpha Waves foi posteriormente portado ao DOS por Raynal, se tornando uma febre em laboratórios de informática nas escolas da época.
Numa palestra à Game Developers Conference de 2012, ele conta que filmes de terror dos Anos 1970 e RPGs de mesa eram sua companhia nas noites solitárias de programação, e que relacionar a estética dessas obras à motivação despertada pela nova tecnologia 3D foi questão de tempo.

Enredo
Situado nos anos 1920 e fortemente inspirado pelas histórias de H.P. Lovecraft, o game se inicia com a notícia da morte do pintor Jeremy Hartwood por aparente suicídio. Cabe então – a depender da seleção do personagem – a Edward Carnby, investigador particular, ou Emily Hartwood, sobrinha do artista, ir até a Mansão Derceto a fim de investigar as causas do ocorrido.
Através de cartas e diários, mais se descobre sobre a história da Mansão Derceto, Jeremy, e toda a confluência de eventos que o levaram à morte.
Jogabilidade
Trinta e dois anos depois, os controles ainda respondem extremamente bem. Certamente, entretanto, a velocidade de Alone in the Dark pode irritar aqueles que conhecem o Y2K apenas enquanto história e assistem filmes em velocidade 2x, já que o personagem principal caminha bem lentamente, e mesmo a velocidade de corrida não é das maiores, mas; faz sentido reclamar de velocidade em um jogo de terror onde se explora uma mansão misteriosa? Ainda que visualmente um tanto cômicos, os movimentos de combate permitem dois ou até mesmo três tipos de ataque distintos, possibilitando diferentes estratégias de acordo com o inimigo que se enfrenta, e também a posição no cenário.
A progressão da partida é rica e faz questão de manter o jogador entretido, imergindo-o na investigação ao apresentar cenários variados, exigir diferentes soluções para puzzles e entregando detalhes da trama aos poucos. Por vezes, experienciamos uma forte sensação de adventure games e point and clicks, devido a como devemos interagir com itens e cenários. Até mesmo um fator replay se faz presente, já que é possível transpor o mesmo obstáculo de diferentes maneiras.

Gráficos
Certamente o que mais afasta o público do Alone in the Dark original hoje em dia são os gráficos. Serrilhados, triangulares e até um tanto claros e coloridos comparados a jogos de terror modernos, podem ser considerados como a parte que mais “envelheceu mal”. Lançado quatro anos mais tarde, Resident Evil já era mais ágil e possuía gráficos mais definidos, embora valha lembrar que há um salto de geração entre os dois games.
O conceito de “envelhecer mal”, entretanto, é extremamente questionável. É natural que trabalhos mais recentes cheguem ainda mais longe e criem uma falsa ilusão de inferioridade em seus predecessores, mas quando obras inovadoras são colocadas dentro de contexto e de seu recorte na história, é possível visualizar o quão revolucionárias elas são. Resident Evil, Silent Hill, Fatal Frame, Alan Wake e inúmeros outros survival horrors de sucesso só assim o são por terem sido amplamente baseados e influenciados por Alone in the Dark, que por sua vez também teve suas inspirações.
Arte, assim como diversas atividades humanas, é uma amálgama de influências e inserções de gostos e visões pessoais que geram novos produtos e conceitos. Desdenhar de Alone in the Dark porque existe Alan Wake 2 é como ignorar Fritz Lang pela existência de Christopher Nolan, embora sem o legado do visionário realizador austríaco, o diretor de Oppenheimer talvez sequer tivesse se tornado cineasta. Experimentar o game mesmo que por alguns minutos, ou assistir a gameplays na internet, pode ser uma agradável viagem no tempo e um grande aprendizado histórico.
E aí, te convenci? Já jogou o game original da franquia? Me conta nos comentários!
Agora sim você me comprou… tô doido pra jogar isso, ainda mais por você me conhecer e saber que não tenho a tal das lentes nostálgicas me atrapalhando.
Não sabia que o jogo foi feito pela galera da Infogrames e assim como Fantasia, é um jogo bem a frente do seu tempo que hoje é comparado com grandes outros nomes que ainda nem existiam.
Como sempre digo, arte é arte e ela sempre se transmuta.
Excelente texto!