Tendo visto e gostado de Late Night With the Devil – que vai ganhar texto aqui em breve também – fui atingido por inúmeras recomendações de Historia de lo Oculto, filme argentino de 2020 dirigido e escrito por Cristian Ponce, que assim como o longa protagonizado por David Dastmalchian, funciona quase como um found footage, intercalado com cenas “tradicionais”.
Com ótimas memórias do cinema argentino, inclusive dentro do terror recente com O Mal Que Nos Habita (Demián Rugna, 2023) e totalmente conquistado pelo trailer que emula em preto e branco a soturnidade dos programas de entrevista de TV de tarde da noite, o jornalismo vintage confectionado todo em papel, imposição, telefones com fio e cigarros acesos em ambientes fechados, me joguei de cabeça.
Último Episódio
Jorge, Maria, Abel e Lucio acompanham a última transmissão de 60 Minutos Antes da Meia-Noite, jornalístico investigativo do qual são produtores e que vem sendo censurado e rechaçado por investigar um assassinato potencialmente ligado a alguns dos maiores empresários do país e também ao governo. Escondido, o grupo cuida dos últimos detalhes para que suas denúncias sejam efetivas.
Na TV, o apresentador Alfredo informa a audiência sobre o fim da atração e das crescentes repreensões, apresentando em seguida seus convidados: o Senador Matias Linares, o megaempresário Andrian Marcáto e o sociólogo e estudioso de cultos Daniel Aguilar, que discutem a relação das empresas de Marcáto com Belasco, atual presidente da Argentina e as supostas alegações de envolvimento com o sobrenatural.
Visto que o programa dura cronometrados 60 minutos astuciosamente exibidos na tela junto do horário e da temperatura em tempo real, a equipe de produtores precisa correr contra o tempo.
Magia e Poder
Com uma forte carga política já sinalizada pela premissa, Cristian Ponce discute como o poder, seja ele político ou monetário – se é que de fato existem grandes distinções – afeta, ou até transforma, a nossa realidade. Lançado em 13 de Janeiro de 2020, A História do Oculto é quase simultâneo à designação da COVID-19 como pandemia, época em que fake news ceifaram a vida de milhões de pessoas ao redor do planeta. No Brasil, desde as campanhas presidenciais de 2018, recebíamos diariamente histórias cada vez mais absurdas através do Whatsapp que, orquestradas minuciosamente, foram responsáveis por desinformar a população e decidir o curso do país pelos quatro anos seguintes e seguem causando danos irreversíveis até hoje.
Consciente das inúmeras maneiras que tais manobras podem afetar a vida e a realidade da sociedade, o longa cria alegorias que buscam relatar e até mesmo alertar sobre o que acontece à nossa volta quando grandes corporações e partidos políticos unem forças. Soa familiar?
O que é real?
Além do roteiro ágil que se desenvolve competentemente alternando entre a redação clandestina e o programa de TV que nos tapeia com pistas escondidas em plena vista, a fotografia inunda a sala com sensações noturnas e obscuras que ornamentam a trama e usa cores em momentos estratégicos. Vale ressaltar o trabalho de todo o elenco, que entrega individualmente com precisão personagens distintos que imperceptivelmente afundam no inimaginável e se perdem em suas próprias loucuras e medos, completando este grande e dinâmico quebra-cabeças que é A História do Oculto.
Por fim, é impossível deixar de mencionar a ótima trilha sonora de Marcelo Cataldo, que emula trilhas televisivas antigas com perfeição e floreia o filme com motivos que assim como o que é apresentado na tela, brinca com nossas percepções.
Na data dessa postagem, La Historia de lo Oculto está disponível na Netflix. Confira o trailer clicando aqui.
Além destes textos sobre cinema, música, literatura e etc., eu também escrevo ficção. Conheça meus contos aqui: