Los Angeles, California, Estados Unidos.

2 de Abril de 1974.

Jack Lemmon, Diana Ross, Alfred Hitchcock, Liza Minnelli, Paul Newman, Paul McCartney e outras incontáveis lendas se revezavam como alvos de flashes ensandecidos na entrada do Dorothy Chandler Pavillion para a 46ª Cerimônia do Oscar. Tatum O’Neal, de apenas 10 anos, faria história naquela noite sendo a pessoa mais jovem a conquistar o prêmio como melhor atriz por sua participação em Lua de Papel – feito que detém até hoje. Entretanto, outros registros daquela data chamam a atenção de quem se interessa por cinema, mais precisamente o de Hollywood: a repulsa do Oscar por O Exorcista e filmes de terror em geral.

Cerca de quatro meses antes, a Warner Bros. levava aos cinemas um dos últimos lançamentos do ano. Trata-se do lendário O Exorcista, que chegou às salas estadunidenses em 26 de Dezembro de 1973 causando desmaios, vômitos e todo tipo de mal-estar nos espectadores que aguardavam mais de três horas em extensas filas para assistir este que já era um blockbuster muito antes de Tubarão.

Aclamado por público, crítica e profissionais da área como um dos maiores e mais influentes filmes de todos os tempos, a história da pequena Regan MacNeil e sua possessão demoníaca foi o mais notável caso de boicote da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas contra o gênero.

Foto: Ross Dunn

O começo com o pé direito, desgosto da igreja e boicote

O Exorcista, além de um grande filme, obteve ótimos resultados tanto de bilheteria quanto de crítica em suas semanas iniciais de exibição, o que naturalmente atrai os olhares da Academia. O longa se tornou um gigantesco fenômeno cult. Para se ter uma ideia de seu impacto, redes de cinema utilizavam a diminuição das enormes filas como propaganda para atrair espectadores mais impacientes em Março de 1974, quatro meses após a estreia.

Diante de tamanha comoção popular, a igreja católica buscou holofotes para classificar o filme como “perigoso” e alimentar o pânico satânico em volta da obra, o que pode já ter exercido influência na porção então sênior da Academia. Hoje, documentos e relatos apontam que o lobby teria partido de dois figurões de Hollywood:

Robert Aldrich, diretor do excelente O Que Terá Acontecido a Baby Jane?, pleiteou a cadeira de diretor de O Exorcista após a recusa do todo poderoso Stanley Kubrick, mas teria sido barrado por William Peter Blatty, escritor do livro, que recebeu da Warner Bros. o direito de dar a palavra final sobre quem lideraria o projeto. Na opinião de William Friedkin, que acabou sendo o diretor eleito, isso o teria deixado extremamente ressentido e disposto a tornar a vida de quem quer que fosse o novo diretor, um inferno.

“Caso O Exorcista vença o Oscar de Melhor Filme, pode ser o fim da Hollywood clássica”. Segundo Aldrich, autor da frase, a coroação do longa de Friedkin botaria o drama em cheque enquanto gênero de elite em Hollywood.

George Cukor (Nasce Uma Estrela, 1954), tratou de envenenar a opinião de seus colegas sobre Friedkin e O Exorcista, atestando que o filme era repulsivo e insultante à Igreja Católica. Ele então capitaneou a decisão de que o prêmio de Melhores Efeitos Especiais, categoria onde O Exorcista era considerado invencível por consenso, não seria dado naquele ano por “falta de candidatos relevantes”. Isso nunca havia acontecido desde a criação do prêmio em 1940, e jamais se repetiu.

Ellen Burstyn, que interpreta a mãe de Regan no longa, também era favorita na corrida pela estatueta de Melhor Atriz, mas foi derrotada por Glenda Jackson, que apesar de estrela incontestável, não apresentou grande performance em Um Toque de Classe. Curiosamente, apenas um ano depois, Burstyn foi contemplada por Alice Não Mora Mais Aqui, que também não exibe um trabalho digno da maior premiação de Hollywood por parte da atriz, deixando claro se tratar de uma medida de reparação. Ellen Burstyn sequer compareceu à cerimônia e o prêmio foi recebido pelo diretor Martin Scorsese.

Jack Lemon anuncia a vitória de Ellen Burstyn no Oscar de 1975. (Foto: Reprodução)

Mais desprezo ao longo dos anos

Em quase um século de história, é possível criar uma extensa lista de obras de terror esnobadas pelo prêmio da Academia. O Iluminado (Stanley Kubrick, 1980), outro clássico absoluto que definiu padrões do horror e suspense utilizados até hoje, não recebeu uma indicação sequer.

Um caso notável e muito recente é o de Toni Collette, que não costumava atuar em obras de terror mas teria mudado de ideia ao ler o roteiro de Hereditário, de  Ari Aster. No longa, ela interpreta Annie Graham, que precisa lidar com eventos macabros que assolam sua família após a morte de sua mãe. De acordo com a atriz, este teria sido o papel mais difícil de sua carreira até então, e apesar do bom desempenho do filme em bilheteria, crítica e campanha, nem mesmo a indicação aconteceu.

Midsommar, também realizado por Aster e lançado no ano seguinte, não caiu nas graças da Academia mesmo com a grande atuação de Florence Pugh e a linda direção de arte.

2025, entretanto, pode ser um ano memorável, pois Demi Moore vem muito forte na corrida pela estatueta de Melhor Atriz por A Substância – que também concorre a Melhor Filme -, tanto pela performance quanto por uma campanha bastante sólida. A disputa, acirradíssima por sinal, é com a nossa Fernanda Torres, de Ainda Estou Aqui. Karla Sofía Gascón, de Emilia Pérez, era a favorita até se enrolar em estratégias de campanha que beiram a evasão das regras da premiação ao acusar a equipe de Fernanda Torres de ataques de ódio nas redes sociais, polêmicas e até mesmo uso de IA.

Em quase 100 anos de história do Oscar, A Substância é tido como apenas o sétimo filme de terror a receber uma indicação. Este é um número passível de debate, pois O Silêncio dos Inocentes pode ser lido como um filme policial, e Cisne Negro como um drama. A grande questão é que o longa estrelado por Demi Moore ostenta elementos que contestam veementemente a visão de Aldrich e Cukor, como violência gráfica extrema e horror corporal explícito. Será o começo de uma era de reconhecimento para um gênero tão rico?

A Substância está disponível na MUBI.

Foto: Reprodução


Além destes textos, eu também escrevo ficção. Você pode conferir minhas histórias aqui no blog mesmo pelo link abaixo:

https://siudincident.com.br/category/contos/

PS: O conhecimento para a criação desse texto foi majoritariamente adquirido no canal do renomado historiador, crítico de cinema e primeiro sul-americano a integrar a Critics Choice Association, Waldemar Dalenogare Neto.