O Cine Belas Artes, veiculado pelo SBT entre 2001 e 2017, propunha a exibição de filmes antigos, que possuíssem algum grande significado na história do cinema, ou que fossem assinados por grandes diretores. Não era raro ligar a TV tarde da noite no Sábado e dar de cara com A Lista de Schindler (1993), Disque M Para Matar (1954), ou Veludo Azul (1986). Foi nessa sessão que conheci alguns de meus filmes favoritos como O Exorcista, De Olhos Bem Fechados e O Iluminado.
Especialmente no começo, o Cine Belas Artes era, pra mim, um evento. Se me deixassem, vestia um smoking pra sentar no sofá e assistir um filme novo. Numa época em que a internet banda larga ainda engatinhava e eu não fazia ideia de como fuçar na locadora do Paulo Coelho, ter contato com essas obras me fez começar a gostar ainda mais de cinema e arte no geral.
E numa destas noites de Sábado em que eu me encontrava em casa para a surpresa de zero pessoas, a emissora me apresentou a mais um de meus favoritos: Um Sonho de Liberdade, de 1994.
Baseado no conto Rita Hayworth and the Shawshank Redemption, de Stephen King, o filme conta como Andrew Dufresne impactou a vida de um grupo de internos numa penitenciária no estado do Maine, EUA.
Interpretado pelo insubstituível Tim Robbins, Dufresne conquista a simpatia dos colegas (que ganham vida através de Morgan Freeman, Gil Bellows, William Sadler e vários outros) ao mostrar, ao longo dos anos, que a amarga vida entre os quatro muros de concreto cinza pode ser vencida através da esperança. É perceptível o quanto uma obra consegue propagandear de forma efetiva a importância da esperança quando ela não só emociona, mas também convence, alguém tão pessimista quanto este que vos escreve.

Uma Promessa ao meu amigo Andy
A partir daqui; spoilers sobre Um Sonho de Liberdade.
Já caminhando para o final, Red (Morgan Freeman) conquista sua liberdade condicional. Andy, que havia escapado da prisão, o fez prometer que iria até Buxton procurar por um campo de feno especial, onde algo o estaria aguardando.
Anos antes, Brooks (James Whitmore), um dos internos mais antigos de Shawshank foi solto após 50 anos de instituição. Ele explica aos ex-colegas, em uma carta de despedida, o motivo pelo qual “decidiu não ficar”: o mundo aqui fora não era mais o mesmo. Após meio século, tudo era demasiadamente rápido, suas mãos doíam, ele não conseguia acompanhar; e ele não tinha mais amigos. Chegou a considerar assaltar o mercado numa tentativa de “voltar para casa”, mas se considerou velho demais pra tal. A mensagem é lida por Red enquanto a trilha sonora de Thomas Newman desliza pelos acordes reflexivos e tristes de um piano comedido. Alguns dos ouvintes dão razão ao homem, enquanto outros não conseguem entender como alguém pode desistir de tudo tendo saído da prisão.
Red, que ao contrário de Andy não enxergava a vida fora dos muros de Shawshank de maneira otimista por se julgar velho e desnecessário, acabou por ir morar no mesmo apartamento onde Brooks esteve durante a parte final de sua vida, e até mesmo trabalhou no mesmo mercado, na mesma função. Conforme ele se percebe tão desconectado do mundo exterior quanto Brooks, conclui que também não vai se adaptar à vida aqui fora:
“Viver com medo é algo terrível. Tudo o que eu quero é voltar para onde as coisas fazem sentido; onde não preciso ter medo o tempo todo”, reflete Red embalado pela mesma melodia do triste piano, que nos remete ao desfecho de Brooks.
Entretanto, algo o impedia de tentar voltar: a promessa que fizera a Andy.
A próxima cena mostra Red chegando a Buxton, e é aí que entra a magia da música:
Um oboé surge sobre os acordes do piano, tocando um tema que inspira uma pequena chama de curiosidade e insurreição, mostrando que Red decidiu tomar um caminho diferente: o da esperança, se livrando das amarras do medo.
É aí que as cordas entram e a orquestração cresce, acompanhando a busca do personagem através de cenários cada vez mais abertos e coloridos. É aí que a vida de Red se encaminha para a mudança. Para sempre.
[…] Vamos falar mais de música contando histórias? Confira este post aqui. […]