Em uma cerimônia que buscou agilidade e apostou na segurança do básico, o 95º Oscar contou com uma ou outra surpresa, mas foi mesmo é marcado pelas voltas por cima, que me fazem concordar com inúmeros vencedores, mas ainda sim ficar triste pelo fato de outros indicados não terem recebido suas estatuetas.
Conhecida e questionada por uma uniformidade que ainda toma conta da maior parte da premiação, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas parece, mesmo que a passos hesitantes e certamente contestados, estar indo na direção de uma premiação mais irrestrita.

Os Vencedores
Logo no início, Guillermo del Toro garantiu mais um troféu para sua versão de Pinóquio, que já ostentava o BAFTA, Globo de Ouro, Critics Choice Awards e é claro, o Annie Awards, que contempla exclusivamente as animações. Del Toro tratou de, novamente, destacar a importância da animação como mídia, e não só como gênero voltado às crianças. Unanimidade entre público e crítica, foi uma das vitórias mais fáceis da noite.
Top Gun: Maverick e Avatar: Caminho das Águas garantiram uma estatueta cada um nas categorias técnicas, sendo Som para o Tom Cruise e Efeitos Visuais para James Cameron. Embora ambos os triunfos fossem um tanto óbvios, a escolha perspicaz na ordem das premiações botou uma pulga atrás da orelha de quem acompanhava o 95° Oscar, já que certos triunfos vindos do Front Ocidental desestabilizaram quem assinalou as opções que pareciam mais seguras nas casas de aposta.

Nada Novo No Front
O excelente filme alemão dirigido por Edward Berger é a terceira adaptação do romance pacifista de Erich Maria Remarque, que lançado em 1929, fez questão de deixar claro o quanto a guerra suja, injusta, e despida de todo o glamour das propagandas. Sendo a primeira versão realizada no idioma original da obra, Im Westen nichts Neues assegurou quatro prêmios: o já esperado Melhor Filme Estrangeiro, e os incalculáveis Trilha Sonora Original, Fotografia, e Design de Produção; consagrando o martírio de Paul Bäumer e seus amigos como o segundo grande nome da noite. Outros nomes de destaque entre os não-estadunidenses são Argentina 1985 e Close, da Bélgica.
Depois da quarta estatueta, pessoas começaram a se entreolhar e afrouxar o riso, considerando uma distante possibilidade de que a Netflix pudesse conquistar o maior de todos os prêmios. Entretanto, tudo voltou ao normal quando Entre Mulheres, muito merecidamente, teve seu Roteiro Adaptado eleito o melhor. O filme escrito e extremamente bem capitaneado por Sarah Polley é baseado no romance de Miriam Toews e acompanha um grupo de mulheres que vive em uma comunidade afastada onde sofrem constantes abusos por parte dos homens até que se reúnem para decidir se irão embora dali ou se ficarão para lutar. Com ótimas atuações e uma direção profundamente consciente, Polley com certeza absoluta merecia uma indicação para Melhor Direção.

E lá se vai aquele sonho…
The Banshees of Inisherin é, sem dúvidas, um dos meus filmes favoritos de 2022. Colin Farrell e Brendan Gleeson reprisam a excelente química mostrada em Na Mira do Chefe, outro projeto da dupla conduzido e escrito por Martin McDonagh. Na trama, dois amigos têm sua amizade repentinamente interrompida quando um deles simplesmente decide não querer mais o companheiro em sua vida. As excelentes atuações da dupla de protagonistas aliadas aos coadjuvantes Barry Keoghan e Kerry Condon trazem personagens extremamente profundos repletos de significados e alegorias que rendem inúmeras horas de conversa.
Entendo o conceito do Oscar, como a premiação funciona e tudo o que há ao redor, e concordo com a vitória de Brendan Fraser, mas não deixem passar a atuação de Colin Farrell aqui, que exala simplicidade, inocência e sinceridade. É uma tristeza que Banshees não tenha levado nenhuma estatueta pra casa, pois também merecia, e muito, o prêmio de roteiro original.
Outra atuação de destaque absoluto é de Paul Mescal, em Aftersun. Tido como o azarão da corrida, Mescal entrega tudo e mais um pouco num filme onde muitas vezes sequer tem seu rosto enquadrado. Sob a direção delicada e criativa de Charlotte Wells, Aftersun revisita as lembranças que Sophie, já adulta, tem das últimas férias que passou ao lado de seu pai quando ainda era criança. Embora o filme não diga explicitamente o que pode ter acontecido, as dolorosas evidências são suficientes para mastigar nosso coração. É impossível sair desse filme sendo a mesma pessoa.

Voltando aos tempos atuais, a fabulosa Cate Blanchett chegou muito perto de receber seu terceiro Oscar na que vinha sendo considerada a categoria mais apertada da noite: Melhor Atriz. Em Tár, a australiana interpreta Lydia Tár, regente da Filarmônica de Berlim; uma figura poderosa e controversa, que tem sua natureza exposta ao longo das 2h40 de película. Dirigido pelo excelente Todd Field, Tár transmite a interação entre a personagem e o mundo a sua volta com riqueza impecável de detalhes, nos fazendo literalmente sentir na pele como seus fantasmas a atacam. Na minha humilde opinião, o grande merecedor da estatueta de Melhor Direção, e meu filme favorito de 2022.
A última lembrança de uma grande esnobada no ano de 2023 me remete a The Batman, de Matt Reeves. Roger Deakins, lendário diretor de fotografia, disse em entrevista que a melhor fotografia do ano sequer havia sido indicada, isso porque Império da Luz, que conta com sua colaboração, esteve entre os indicados da categoria. Ele nunca especificou a qual obra se referia, mas eu fico com o filme do morcego.

Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo
O frenético longa dos Daniels validou todo o favoritismo ao assegurar sete prêmios, incluindo obviamente Melhor Filme, numa vitória que certamente fortalece uma lenta porém importantíssima revolução na Academia. É impossível imaginar a contemplação de um filme de ficção-científica majoritariamente estrelado por atores não-brancos com o mais popular prêmio do cinema mundial há cerca de dez anos atrás, ainda mais com uma heroína sexagenária encabeçando cenas de ação.
Vale lembrar que premiados se tornam membros da Academia e passam a ter direito de voto; logo, espero não estar sendo inocente demais ao esperar que estejamos a caminho de tempos melhores, mais justos e plurais.
Repleto de significados e merecedor de diversas reassistidas, Tudo em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo dialoga sobre família, escolhas, e sobre a vida. Eu daria o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante à Stephanie Hsu ao invés de Jamie Lee Curtis? Daria, mas não discordo que a veterana mereça um prêmio por toda a sua carreira; já Ke Huy Quan provavelmente foi o único nas quatro categorias de atuação que simplesmente devastou a concorrência e tomou tudo para si. Outro caso de renascimento de carreira assim como Brendan Fraser, o também simpaticíssimo Quan havia deixado os holofotes há duas décadas devido a frustração de só receber ofertas de personagens estereotipados. Seu personagem, Waymond, é extremamente capaz e peça chave na trama, entregando ótimas atuações nos mais variados contextos e se mostrando um homem gentil de bom coração que não tem medo de demonstrar sentimentos, ao contrário do que se espera de heróis Hollywoodianos padrão, e o resultado é ótimo.

O ano certamente foi marcado por grandes retornos e meteóricas ascensões maravilhosas de se testemunhar.
Enfim, eu já falei demais, muito mais do que de costume, e ainda deixei um monte de coisa pra comentar em outros textos, mas me conta aí:
O que você achou do Oscar 2023?