É de comum acordo entre especialistas que histórias de terror precedem a invenção da escrita. Lendas seguem sendo passadas de geração em geração até os dias de hoje, moldando-se às épocas, crenças, e até mesmo à tecnologia.
Na literatura, momentos assustadores e agoniantes estão presentes até mesmo na Bíblia, como quando o profeta Eliseu amaldiçoa crianças por terem zombado de sua calvície, fazendo com que fossem desmembradas por ursas; ou quando descreve o modo como as entranhas de Judas foram derramadas no Campo de Sangue após seu enforcamento. Inquisição adentro, o medo se estabeleceu como principal ferramenta de controle por parte da religião católica.
Séculos mais tarde, na Europa, o gótico se mesclou ao horror. Grandes obras como Frankenstein (1818), escrito por uma genial Mary Shelley de apenas 19 anos de idade e O Médico e o Monstro (1886), de Robert Louis Stevenson, estabeleceram as principais noções de ficção científica e horror que conhecemos hoje. Nos Estados Unidos, Edgar Allan Poe e H.P. Lovecraft foram os principais nomes do horror da mesma época.

Não demoraria muito para que o gênero fosse projetado nas telas de cinema: em 1896, Georges Méliès dirigiu O Solar do Diabo (considerado o primeiro filme de terror que se tem registro), O Pesadelo e Uma Noite Terrível. Entre as Décadas de 1920 e 1950, a Universal Studios produziu dezenas de filmes de monstro, tornando Drácula, O Homem Invisível, O Lobisomen e outras criaturas em grandes favoritos do público. Do outro lado do Atlântico, a lendária Hammer Films prestou um serviço análogo, criando diversos clássicos atemporais como A Múmia, e O Cão dos Baskervilles, que conta com Christopher Lee e Peter Cushing no papel de Sherlock Holmes.
Seria apenas questão de tempo para que isso chegasse aos videogames.
Origens
Mystery House (1980, Apple II) não foi somente um dos primeiros jogos de terror, mas também um dos primeiros Adventures da história. Escrito e ilustrado por Roberta Williams, o game constitui de uma série de enigmas que requerem respostas em texto para avançar na história. No ano seguinte, foi a vez de 3D Monster Maze, que botava o jogador para fugir de um T-Rex dentro de um labirinto randomizado. A visão em primeira pessoa e as mensagens na tela alertando sobre os passos do dinossauro eram belos catalisadores de ansiedade.
No fim da década de 1980, outro grande passo para o gênero nos videogames veio com um RPG de turno lançado para o NES: Sweet Home.

Pioneiramente criado em paralelo a um filme de mesmo nome dirigido pelo excelente Kiyoshi Kurosawa (de A Cura e Pulse), a trama gira em torno de cinco documentaristas que invadem a mansão abandonada do pintor Ichirō Mamiya, desaparecido há trinta anos, em busca de suas obras perdidas.
A estética giallo de Dario Argento e Mario Bava habita cada canto da enorme mansão, que esconde diversos mistérios e uma rica história que pode ser desvendada através de itens, cenários e documentos/diários encontrados entre as tradicionais batalhas randômicas.
Três Dimensões
Em 1992, determinados a se beneficiar da recém-criada jogabilidade 3D a favor da estética em um game de horror, os franceses da Infogrames conceberam Alone in the Dark, um ambicioso projeto capitaneado por Bruno Bonnell e Frédérick Raynal, que apesar de hoje em dia ser considerado extremamente datado, foi um enorme salto tecnológico e narrativo, aproximando ainda mais videogames de paralelos cinematográficos e das noções de arte. Foi em Alone in the Dark, por exemplo, onde surgiu o conceito de personagens renderizados em 3D movimentando-se sobre imagens estáticas postas em perspectiva. No papel de Edward Carnby ou Emily Hartwood, o jogador deve mergulhar num universo fortemente influenciado por H.P. Lovecraft e investigar um caso de suicídio numa mansão no interior da Louisiana na década de 1920.
Através da mecânica em três dimensões, cenários detalhados, puzzles e inúmeras armadilhas, o game lembra a cada momento que o jogador está em desvantagem não só contra os inimigos, mas também contra todos os fenômenos sobrenaturais que o aguardam em cada corredor.
Quatro anos mais tarde, veríamos a pergunta para qual Silent Hill foi a resposta: Resident Evil.

Resident Evil
Originalmente idealizado para o Super Nintendo como uma espécie de remake para Sweet Home, Resident Evil foi direto para o Playstation visivelmente inspirado pela criação de Bonnell e Raynal, embora o diretor Shinji Mikami tenha negado a influência até seu desligamento da Capcom, em 2006. Antes do que conhecemos, Resident Evil era trabalhado em primeira pessoa. A versão que chegou às lojas colabora com a noção de que Mikami teria conduzido a obra em direção a uma experiência que remetesse mais a Alone in the Dark que a outros fenômenos da época como Doom ou Heretic. Pouquíssimo tempo após seu lançamento, Resident Evil estraçalhou quaisquer prognósticos de vendas e se tornou o jogo mais vendido para o Playstation até então, instigando engravatados de outros estúdios a exigirem um revide de seus desenvolvedores.

Na Parte II, falaremos sobre Silent Hill, seu legado e tudo de bom e de ruim que se esconde por trás de sua névoa.
[…] já discutimos antes aqui, o horror nos videogames chegou ainda na alvorada da década de 1980 em games como Mystery House e […]