Por mais que ninguém tenha entendido absolutamente nada quando Death Stranding foi revelado em 2016 através de um trailer na saudosa E3, não demorou para que uma chuva temporal de insultos a Hideo Kojima, seus games e fãs inundasse a internet, mas foi apenas cerca de dois anos mais tarde que os donos da verdade puderam entender um pouco mais do que se tratava a nova empreitada do criador de Metal Gear.

É um jogo de… entregar coisas? É um walking simulator, é isso? A Sony deu um cheque em branco pra esse maluco criar um joguinho de correio?

Quase seis anos após seu lançamento e com a continuação chegando, Death Stranding segue divisivo, embora bem menos: o lançamento para PC em 2020 manteve vendas consistentes ao longo de mais de um ano e o tom de muitas análises deixaram de taxar o jogo como injustificável, passando a considerá-lo apenas de difícil entendimento e criando uma mística em torno da criatividade de Kojima que rendeu inúmeros memes. Não foi raro — e este que vos escreve diz em testemunho –, ver pessoas alegando que iriam “jogar para poder xingar com propriedade” e se apaixonando pela história de Sam Porter Bridges.

Grande parte dos fãs tende a iniciar conversas sobre o game classificando-o como “contemplativo” devido ao seu ritmo lento, ambientes vazios e trilha sonora serena, mas será que é só isso mesmo?

Imagem: Reprodução

Kojima previu o futuro… de novo

Na data do seu lançamento para o PS4 em Novembro de 2019, a ideia de um mundo onde a população não pode sair de casa por conta de um desastre de proporções mundiais e depende do trabalho de entregadores para a aquisição de itens de subsistência ou lazer parecia digna de riso… ou será que não?

Apesar da macabra coincidência, o que deve ser posto na conta de Kojima não é a pandemia de Covid-19 em si, mas sim no que o mundo se transformou desde então, e isso não é só sobre não poder encostar nas pessoas ou usar máscaras.

Além das cidades presentes no game, também conhecemos os preppers, sobreviventes solitários em bunkers espalhados por diferentes pontos dos Estados Unidos, que têm seus rostos representados por celebridades como Junji Ito, Edgar Wright, Conan O’Brien, Jordan Vogt-Roberts e muitos outros, e representam visões de como é viver naquele mundo. O Elder, por exemplo, é um estrangeiro que chegou aos Estados Unidos antes do Death Stranding, e através de conversas e textos, ele retrata a vida do imigrante no país após a catástrofe e como eram tratados com desdém. Há também o diretor de cinema, que se sente feliz ao descobrir cópias de filmes perdidos no tempo e o músico, que considerava a música como uma arte morta até se unir à rede e se animar a compor novas canções par transmiti-las como um show que todos podem assistir à distância. Repito: este jogo foi finalizado e lançado em 2019!

O abrigo de um dos preppers (foto: reprodução)

Além deles, há profissionais de áreas mais técnicas como engenheiros, médicos e até mesmo quem consiga idealizar e construir equipamentos a partir de sucata, e todos eles relatam como seus ofícios e visões de mundo se desenvolvem no planeta desolado. 

O próprio fenômeno Death Stranding, o evento catastrófico que dá nome ao game e seus efeitos, são objeto de estudo de meteorologistas, biólogos e físicos, que tentam desvendar a conexão entre o mundo dos vivos e dos mortos. O aspecto social também é amplamente abordado, e é impossível não se espantar com a relação entre likes e ocitocina proposta por Die-Hardman e como o mundo se comporta no pós-pandemia, onde cada vez mais o êxito de qualquer ofício ou noção de triunfo social são intrinsecamente ligadas ao sucesso nas redes sociais.

Reconexão

Em Death Stranding você controla Sam Porter Bridges (Norman Reedus, de The Walking Dead), um experiente entregador que se vê convencido por questões familiares a enfrentar a empreitada de reconectar as cidades dos Estados Unidos através da rede chiral, um sistema de compartilhamento de dados e materiais que visa novamente transformar a terra devastada em um país por uma melhor e maior qualidade de vida, mas é claro que nada é tão simples assim e nem todos são simpáticos à essa operação; aqui, vale dizer que mesmo para quem não está interessado em ler as centenas de e-mails e entrevistas que desenvolvem o universo do game, a trama central já vale a experiência. O elenco é complementado com estrelas como Margaret Qualley (A Substância), Léa Seydoux (Crimes do Futuro), Mads Mikkelsen (Hannibal) e Troy Baker (o Joel do game The Last of Us).

Margaret Qualley é Mama (Reprodução)

As entregas de fato são o foco do game, mas estão longe de ser simplesmente caminhar do ponto A ao B: o terreno influencia drasticamente a dificuldade da corrida, sendo necessários equipamentos como escadas ou cordas para transpô-los, mas que também disputam espaço com a mercadoria em si, e só quem já experienciou o jogo compreende que isso é muito mais complexo na prática; e existem ainda os ladrões, conhecidos como MULE’s, e os BT’s, seres perdidos entre os dois mundos e que representam enorme ameaça e devem ser enfrentados ou evitados com máximo cuidado. Há também o agravante de que o fenômeno da chuva temporal deteriora qualquer coisa atingida por ela em tempo recorde.

O básico do gameplay é simples, com visão em terceira pessoa, mas como todo game de Kojima, são oferecidos incontáveis recursos de comando e aparatos que permitem customizar a jornada de acordo com o gosto de cada um.

O jogador também participa ativamente da reconexão compartilhando materiais, equipamentos, veículos e até mesmo construções com outros colegas, facilitando todo o processo.

Com isso tudo em mente, já jogou Death Stranding? Se não, que tal jogar pra falar mal com propriedade?
A versão Director’s Cut do game está disponível em todas as plataformas e Death Stranding 2 sai dia 26 de Junho para Playstation 5.